Falar
da noite de 31 de Dezembro é, obrigatoriamente, lembrar praxes,
superstições, costumes ligados ao ano que finda e nos permitem,
pela sua vertente profiláctica e intercessora, ter esperança no
novo ano que começa. Com essa crença, comem-se passas de
uva, fazem-se soar apitos, colocam-se na cabeça chapelinhos
coloridos, veste-se uma peça de roupa azul, salta-se para cima de
uma mesa ou de uma cadeira, bebe-se uma taça de champanhe, deita-se
fora um caco velho. Repetem-se, por escrito ou de viva voz, os votos
de «boas saídas», «boas entradas», «prosperidades», «saúde»,
«paz», «felicidade».
Tudo
isto a fazer lembrar remotas sobrevivências de ritos
mágico/propiciatórios de purificação, de abundância e de
fertilidade, assim como de excomunhão de poderes maléficos ou
nocivos.
(...)
O
costume de se fazer barulho na noite do ano que começa, terá o
sentido popular de «enxotar o velho» (o ano que termina), prática
seguida noutros países, em que se fazem ainda grandes fogueiras na
Noite de Ano Novo para «queimar o ano velho» e se realizam praxes
mágicas com o fim de «expulsar as bruxas e os espíritos maus».
O
hábito, antiquíssimo, de atroar os ares com maior ou menor
barulheira, utilizando diversos objectos (latas ou tampas de
panelas), poderá ter a sua origem em certos países da Europa e
noutros onde se procedia ao ritual «de se bater com um pau (ou
mangual) no chão de cultivo durante a noite do último dia do ano e
nas noites seguintes», com a intenção de «afugentar os espíritos
malignos que prejudicavam a renovação do solo, o revigorar das
raízes e o germinar das sementeiras».
Também
a tradição de «escacar» (partir) loiça já velha constitui uma
prática com objectivos mágicos, profilácticos ou propiciatórios,
ligados ao sentido de felicidade.
Nas
nossas aldeias, em tempos idos (o mesmo acontecendo noutros países),
havia o uso de as mulheres irem guardando, durante o ano, a loiça
velha, principalmente loiça de barro (cântaros, tachos, bilhas
rachadas, sem asas, sem bico), para ser completamente «escaqueirada»
na noite de passagem de ano, juntando-se o povo nas ruas para
assistir e participar no ritual – ainda aqui simbolizado pelo acto
de «deitar fora o ano velho».
Outro
costume que se conserva em algumas aldeias portuguesas (como na Beira
Baixa e Alentejo), consiste em marcar as portas com farinha na Noite
de Ano Novo, para «dar sorte». Chamado, popularmente, «o
milagre das portas», conta que «um soldado de Herodes terá
descoberto a casa onde Jesus se albergava. Por ser de noite
lembrou-se de marcar a porta com farinha. De manhã, quando regressou
com outros soldados, todas as portas estavam marcadas do mesmo modo,
acabando os perseguidores por desistir da busca». Lenda semelhante
vamos encontrá-la pela Páscoa, com as portas assinaladas com ramos
de giesta.
O Ramo
Antes da chegada do ano novo, os habitantes de Réfega (Bragança) preparam um ramo composto por doces, frutos e cigarros o que, segundo a crença, o transforma numa árvore fértil.
No dia de ano novo o ramo é leiloado em hasta pública, revertendo as dádivas para as despesas desta Festa do Ramo.
Já em Rio de Onor, que também cultiva a tradição do ramo, este ritual é protagonizado pelas jovens da terra. Dias
antes, as zeladoras da santa (Nossa Senhora de Fátima) fazem o seu
peditório pelas casas da aldeia. A finalidade é reunir géneros
necessários para o arranjo do ramo. "A base fundamental é a
chouriça e algum salpicão; chegam a juntar mais de 15 quilos de
chouriças, fora os salpicões", explica um morador. No entanto,
outros géneros podem ajudar a compor o ramo, algum tipo de
guloseimas, chocolates e bolos confeccionados pelas próprias moças.
O ramo
dos Reis assim preparado integra a liturgia da missa, "é
conduzido em cortejo e com o acompanhamento de todos os habitantes
para a igreja". No fim da missa é leiloado no adro, à
frente do povo e perante a cobiça de alguns forasteiros que aqui se
deslocam com a finalidade de adquirirem o fumeiro do ramo. O
resultado do leilão reverte a favor da Santa.
Idêntico
ao ritual do "charolo" (andor adornado com roscas de pão)
celebrado em outras terras do Nordeste, o ramo enquadra-se cabalmente
nas festividades agrárias, de celebração da fertilidade e da
abundância e possui um significado perfeitamente condizente com a
nossa religiosidade popular: oferecer à divindade o que de melhor se
possui, para que a divindade seja generosa, ao ponto de multiplicar
as oferendas, no novo ano e no ciclo agrário que se inicia na
Natureza.
Fontes: