30 dezembro 2012

Ritos...


Falar da noite de 31 de Dezembro é, obrigatoriamente, lembrar praxes, superstições, costumes ligados ao ano que finda e nos permitem, pela sua vertente profiláctica e intercessora, ter esperança no novo ano que começa. Com essa crença, comem-se passas de uva, fazem-se soar apitos, colocam-se na cabeça chapelinhos coloridos, veste-se uma peça de roupa azul, salta-se para cima de uma mesa ou de uma cadeira, bebe-se uma taça de champanhe, deita-se fora um caco velho. Repetem-se, por escrito ou de viva voz, os votos de «boas saídas», «boas entradas», «prosperidades», «saúde», «paz», «felicidade».

Tudo isto a fazer lembrar remotas sobrevivências de ritos mágico/propiciatórios de purificação, de abundância e de fertilidade, assim como de excomunhão de poderes maléficos ou nocivos.
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O costume de se fazer barulho na noite do ano que começa, terá o sentido popular de «enxotar o velho» (o ano que termina), prática seguida noutros países, em que se fazem ainda grandes fogueiras na Noite de Ano Novo para «queimar o ano velho» e se realizam praxes mágicas com o fim de «expulsar as bruxas e os espíritos maus».

O hábito, antiquíssimo, de atroar os ares com maior ou menor barulheira, utilizando diversos objectos (latas ou tampas de panelas), poderá ter a sua origem em certos países da Europa e noutros onde se procedia ao ritual «de se bater com um pau (ou mangual) no chão de cultivo durante a noite do último dia do ano e nas noites seguintes», com a intenção de «afugentar os espíritos malignos que prejudicavam a renovação do solo, o revigorar das raízes e o germinar das sementeiras».

Também a tradição de «escacar» (partir) loiça já velha constitui uma prática com objectivos mágicos, profilácticos ou propiciatórios, ligados ao sentido de felicidade.

Nas nossas aldeias, em tempos idos (o mesmo acontecendo noutros países), havia o uso de as mulheres irem guardando, durante o ano, a loiça velha, principalmente loiça de barro (cântaros, tachos, bilhas rachadas, sem asas, sem bico), para ser completamente «escaqueirada» na noite de passagem de ano, juntando-se o povo nas ruas para assistir e participar no ritual – ainda aqui simbolizado pelo acto de «deitar fora o ano velho».

Outro costume que se conserva em algumas aldeias portuguesas (como na Beira Baixa e Alentejo), consiste em marcar as portas com farinha na Noite de Ano Novo, para «dar sorte». Chamado, popularmente, «o milagre das portas», conta que «um soldado de Herodes terá descoberto a casa onde Jesus se albergava. Por ser de noite lembrou-se de marcar a porta com farinha. De manhã, quando regressou com outros soldados, todas as portas estavam marcadas do mesmo modo, acabando os perseguidores por desistir da busca». Lenda semelhante vamos encontrá-la pela Páscoa, com as portas assinaladas com ramos de giesta.


O Ramo
Antes da chegada do ano novo, os habitantes de Réfega (Bragança) preparam um ramo composto por doces, frutos e cigarros o que, segundo a crença, o transforma numa árvore fértil.
No dia de ano novo o ramo é leiloado em hasta pública, revertendo as dádivas para as despesas desta Festa do Ramo.
Já em Rio de Onor, que também cultiva a tradição do ramo, este ritual é protagonizado pelas jovens da terra. Dias antes, as zeladoras da santa (Nossa Senhora de Fátima) fazem o seu peditório pelas casas da aldeia. A finalidade é reunir géneros necessários para o arranjo do ramo. "A base fundamental é a chouriça e algum salpicão; chegam a juntar mais de 15 quilos de chouriças, fora os salpicões", explica um morador. No entanto, outros géneros podem ajudar a compor o ramo, algum tipo de guloseimas, chocolates e bolos confeccionados pelas próprias moças.

O ramo dos Reis assim preparado integra a liturgia da missa, "é conduzido em cortejo e com o acompanhamento de todos os habitantes para a igreja". No fim da missa é leiloado no adro, à frente do povo e perante a cobiça de alguns forasteiros que aqui se deslocam com a finalidade de adquirirem o fumeiro do ramo. O resultado do leilão reverte a favor da Santa.

Idêntico ao ritual do "charolo" (andor adornado com roscas de pão) celebrado em outras terras do Nordeste, o ramo enquadra-se cabalmente nas festividades agrárias, de celebração da fertilidade e da abundância e possui um significado perfeitamente condizente com a nossa religiosidade popular: oferecer à divindade o que de melhor se possui, para que a divindade seja generosa, ao ponto de multiplicar as oferendas, no novo ano e no ciclo agrário que se inicia na Natureza.


Fontes: