Quando o Chocalheiro sai à rua no dia 26, tem a função de anunciar o nascimento do Sol Invictus (festa romana que se celebrava a 24 e 25 de Dezembro), ou em termos cristãos, o nascimento de Jesus, o novo Sol ou Luz do Mundo.
Diz a
lenda que o demónio tentou Nossa Senhora. Como castigo, foi
penalizado a pedir esmola para Ela e seu filho, o Menino Jesus.
Apesar da sua máscara terrível e medonha que faz ainda arrepiar
muita gente, o chocalheiro é uma figura simpática e cheia de
significado.
Vestido
de linho grosseiro tingido de preto, o chocalheiro de Bemposta
aparece como uma figura tauromórfica. Nas pontas dos chifres ostenta duas laranjas espetadas; cai-lhe do
"queixo uma barbicha de bode; na parte da nuca pende-lhe uma
bexiga de porco cheia de vento; na testa tem um disco e, escorrendo
pela face, uma pequena serpente; na mão segura uma tenaz e mostrando
uma serpente de grande porte rodeada à cintura, ".
“O touro representou para os antigos a força física e criadora e
onde quer que este símbolo apareça, quer nas culturas Neolíticas,
quer na iconografia ou nos ídolos de forma bovina, eles marcam a
presença e são a expressão da Grande Mãe da Fertilidade”, como
diz António Mourinho.
Mas há outro símbolo fundamental que não pode passar despercebido
na interpretação iconográfica da máscara do Chocalheiro de
Bemposta: é a serpente que tem rodeado à cintura e também na
testa. A serpente é um animal simbólico da fertilidade. Mas, além
de simbolizar a fertilidade, a serpente é um animal de simbolismo
polivalente, mas todos os símbolos "convergem para uma única
ideia central: a serpente distribuidora de fecundidade, ciência e,
mesmo, imortalidade”. Representa um desejo, um anseio, uma
aspiração ao saber para ter o poder. Lembremos o caso do Livro do
Génesis em que a serpente apontava a Adão e Eva o caminho da
deificação, se comessem o fruto da árvore proibida por Deus. Além
disso, havia um mito arcaico que dizia que a serpente guardava a
fonte sagrada da imortalidade.
No
Chocalheiro, a serpente será mais um símbolo da Terra Mãe, que
tudo produz para a vida do homem, desde a água até às plantas e
animais. “A serpente simboliza o Caos, o amorfo. Porém,
decapitá-la equivale a um acto de criação, passagem do virtual e
do amorfo ao formal, ao Cosmos, à fertilidade”, diz Mircea Eliade.
Não há dúvida de que todos estes elementos são
iconograficamente importantes e podem dar pistas muito interessantes
para a interpretação etnográfica e mitológica da figura, e pode
contribuir para se poder saber alguma coisa sobre a origem desta e de
outras figuras e o seu significado. A máscara e a indumentária são
conotadas com o diabo: máscara com cornos com duas laranjas aí
espetadas, fato preto com uma série de listas brancas e vermelhas,
uma caveira pintada nas costas, um rabo de crinas compridas, uma
bexiga de porco pendente do capuz, uma figura de serpente a tiracolo
e numa das mãos uma tenaz de ferro, provavelmente com o simbolismo
de recolher os bens supérfluos dos vivos, para a entidade sagrada à
qual está subjugado nesse dia (26 de Dezembro - Nossa Senhora das
Neves ou 1 de Janeiro - O Menino Jesus).
Os frutos que o Chocalheiro ostenta no alto dos chifres, assim como
os que recebe, não são mais do que o símbolo dos frutos que se
desejavam e desejam para o novo ano que começa.
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Crenças
relacionadas com a serpente e a fecundidade existem em toda a
Europa, ainda hoje, mesmo entre nós. Um pequeno exemplo é
ouvir dizer com frequência que quando as cobras saem das tocas a
chuva não falta o que pode estar relacionado com antigas crenças
que relacionavam as serpentes com a fertilidade da Terra Mãe.
A
nossa gente ainda hoje diz que a "chuva é o sangue da terra".
Outro exemplo da relação mulher-serpente-fecundidade-fertilidade é
o caso da India em que as senhoras que desejam filhos adoram as
serpentes.
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No
caso do Chocalheiro de Bemposta e de Bruçó a serpente será mais um
símbolo da Terra Mãe que tudo produz para a vida do homem desde a
água até às plantas e animais.
Os
frutos que o Chocalheiro ostenta no alto dos chifres não são mais
do que o símbolo dos frutos que se desejavam e desejam para o novo
ano que começa. E o caso das Fogueiras do Galo: o homem do
gentilismo desejava luz e calor? acendia fogueiras para atrair o Sol.
Queria frutos da terra abundantes? ostentava os frutos da colheita;
queria água abundante? entornava água no chão.
Nestas
figuras aparecem outros elementos que, embora de menos valor, não
nos devem passar despercebidos. Em
Bemposta o Chocalheiro apresenta-se "armado" de uma tenaz
de ferro. Em Vale de Porco o "Velho" aparece de espeto na
Mão. Em Tó
o "Farandulo" aparece com uma estaca de pau. Estes
instrumentos serviam para tirar peças dos fumeiros nas casas onde
aquelas figuras entravam.
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Fontes: