"Somente a vida simbólica pode expressar a necessidade da alma - a necessidade diária da alma... E porque as pessoas não têm tais coisas, elas nunca saem desse moinho - esta vida banal, terrível, opressiva, na qual não são "nada mais que". No ritual, elas estão próximas a Deus; elas são divinas". C. G. Jung (1939)
O simbólico é o que transcende a estreiteza da consciência pessoal. Perceber a gravidez e o nascimento como símbolos enriquece e promove crescimento, abrindo o feminino para uma religação com sua base feminina vital mais profunda. Assim como a água sempre corre para o fundo, a grávida é levada para mais baixo e para mais dentro, em maior proximidade e intimidade com os processos inconscientes. É um deixar fluir, entregar-se e se reposicionar sobre a base de sustentação, o apoio de seu substrato natural, ligado à Mãe-Terra.
Na era religiosa matriarcal, a grande-deusa-mãe como mãe-lua, mãe-terra ou mãe-natureza, era o poder generativo, seu útero e seios eram venerados. Era a deusa criadora, mãe de tudo o que existe. O universo era visto como uma mulher dando à luz a todas as formas de vida. Na imagem da deusa-mãe, mulheres de tempos antigos encontravam o reflexo de sua natureza mais profunda.
A experiência de que a mulher grávida é também a representação da grande mãe telúrica, que deu origem a vários costumes. Por exemplo, o parto no chão. Existem estátuas de deusas do nascimento, de joelhos na posição de uma mulher dando à luz. Em textos egípcios, a expressão "sentar no chão" é igual a "dar à luz" ou "nascer".
O significado religioso deste costume, segundo Mircea Eliade, historiador de religiões, é: "Nascimento e parto são versões micro-cósmicas de um ato exemplar executado pela terra; mães humanas imitam e repetem o ato primordial que fez a vida aparecer sobre o seio da terra; conseqüentemente, cada mãe tem de fazer contato com a Grande Generatrix e ser guiada por ela para realizar completamente o mistério que é o nascimento de uma vida, como também dela receber energias benéficas e encontrar sua proteção materna."
A capacidade natural da mulher de gerar um filho, uma vida no seu corpo é a oportunidade dela vivenciar uma iniciação, regida pelo princípio lunar. Um mistério feminino que implica em submeter-se a um processo de amadurecimento, no qual há uma aquisição de conhecimento que engloba o receptivo, recebendo a semente e nutrindo as raízes em silêncio; é uma doação paciente, tolerante, um entregar-se, agüentando a transformação.
Neste sentido, a gravidez e o nascimento podem tornar-se uma aventura psicológica profunda, por meio dela a mulher sente sua unidade com a mãe criativa, sua identidade com ela. É um percurso a ser percorrido sozinha, gestando a nova vida em si. A mulher grávida foi venerada desde a antiguidade como representando "algo em si mesma", "algo individual", e a gravidez pode propiciar essa experiência de se tornar completa em si mesma, independente do masculino.
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Esse se entregar a si mesma ou à deusa em si, não é uma aceitação passiva, mas uma resposta aberta a um momento afirmativo da vida que demanda coragem e fé, isto é, entrega ativa. Uma posição que não interfere, mas colabora com o processo natural. Na hora de dar à luz, ao desistir de si, para ser somente um canal, um meio de escoamento para a nova vida, aceitar a dilatação, a dor da contração, entender uma dinâmica nova, onde as quantidades de esforço e não-esforço só podem ser penetradas por uma visão de conjunto.
No parto a mulher experimenta uma descida às profundezas e, como suas ancestrais, independentemente das características próprias de sua personalidade, grau social ou raça, é a criatura fêmea engajada em sua tarefa mais fundamental. Ela está a serviço de trazer à luz o segredo das profundezas, da interpenetração dos elementos formadores da vida humana.
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