«Fogueira
de Natal», «fogueiras do Menino», «fogueiras da Consoada» ou
«fogueiras do galo». Muitos são os nomes dados a um mesmo ritual que perdura até aos nossos dias, principalmente em
Trás-os-Montes, Alto Douro, Beira Alta e Beira Baixa, mas também no
Nordeste Transmontano, sendo menor ou mesmo nula a sua tradição a
sul.
Sob a
influência da Igreja, a fogueira profana de adoração solar dos
Romanos passou a ser cristianizada e a servir de ritual cristão ao
culto divino testemunhado na quadra natalícia a Jesus Cristo –
considerado o «verdadeiro símbolo do Sol que vai nascer, para
iluminar todo o homem que vem ao Mundo».
Costume
que se processa quase sempre durante a noite, cabe ainda hoje às
raparigas enfeitar as igrejas para a Missa do Galo, enquanto aos
rapazes corresponde a tarefa do roubo ritual do «madeiro», do
«cepo» ou do «canhoto» – noutros tempos com os interessados em
colaborar a serem chamados por essas aldeias com o auxílio de um
búzio e a envolverem as rodas dos carros de bois com «baraços» de
palha de modo a evitar o barulho, para que tudo se processasse no
maior silêncio. O transporte, conforme a tradição,
continua a ser feito, por vezes, em carro roubado ou utilizado sem
autorização dos respectivos donos, puxado por animais, ou empurrado
pelos próprios rapazes, num específico rito sagrado, embora,
actualmente, seja mais vulgar a utilização dos tractores com o
respectivo reboque. Noutros casos, a lenha é roubada dias antes
do Natal, ou ao longo do ano, leiloada ou oferecida em promessa. Há
mesmo quem a deposite à porta de casa, na intenção de que seja
«roubada» pelo grupo que chama a si essa tarefa.
Nas
fogueiras acesas em casa durante estes dias, verifica-se, na maioria
dos casos, idêntico preceito: o de utilizar-se apenas lenha roubada,
segundo a crença «para que a lenha assim ardida proteja o lar e a
família».
Ateadas
ao entardecer da véspera de Natal, as fogueiras ardem,
geralmente, até ao dia de Reis, no adro das igrejas, segundo o
povo «para aquecer o Menino», ficando todos os habitantes do lugar
encarregues de manter o lume sempre aceso.
(...)
O rito
das fogueiras de Natal encontra-se espalhado em muitos países da
Europa, casos da França, da Itália e da Inglaterra, entre
outros. Na Antiguidade, o ritual sagrado do fogo, ou lume novo,
acontecia por ocasião do solstício do Inverno, com as fogueiras
acesas tendo por intenção que o Sol voltasse a brilhar com maior
intensidade, temendo-se, particularmente nas comunidades rurais, que
as trevas afastassem definitivamente a luz e o calor, situação que
correspondia a um acentuado declínio da luz solar e respectiva
diminuição gradual do sistema diurno, até culminar no dia menor do
ano – o dia de Natal.
Resquícios
de festas solsticiais gentílicas, muitas delas acabaram por
conservar-se na tradição dos povos, a par das celebrações da
liturgia cristã, ocupando um espaço importante que nos foi legado
pelas religiões e civilizações antigas, cabendo-nos defendê-lo e
preservá-lo, não apenas no que respeita às fogueiras de Natal, mas
ainda a outros ritos e festas de carácter etnográfico cíclico,
onde se misturam e confundem rituais cristãos e práticas de raiz
politeísta e pagã.
Por
outro lado, segundo alguns autores, sendo o galo considerado um
animal solar, é natural que se dê o nome de «fogueiras do galo»
às fogueiras do Natal e a designação de Missa do Galo à primeira
missa da noite de 24 para 25 de Dezembro. Ainda assim, e numa forma
mais simplicista, se diz também que muitas pessoas se deslocavam de
lugares distantes para assistirem à Missa do Galo. De modo a evitar
que voltassem a fazer a caminhada de regresso sem grande repouso e
porque não tivessem onde pernoitar, acendia-se para elas o
«madeiro». Aconchegadas ao seu calor passavam então o resto da
noite, quase sempre muito fria, petiscavam, bebiam, cantavam ao
Menino Deus e, mal a manhã rompia, voltavam a suas casas
Simbolicamente,
o «madeiro» poderá representar ainda o próprio Inverno, na
intenção de aquecer o Menino Jesus; o «madeiro da Cruz de Cristo»
ou «o fogo que desceu dos Céus», referente à iluminação dos
Apóstolos pelo Espírito Santo, sob a forma de línguas de fogo,
depois da elevação de Jesus Cristo aos Céus.
Fonte:
Soledade Martinho Costa