"No
horizonte oriental, o nascente, vê-se uma luz esparsa, mal se
percebe ainda o que virá. Os pássaros movimentam-se, ouço-lhes já
o canto como um augúrio do novo dia. Ao fundo um rouxinol magnífico
canta, o seu timbre puro reverbera quase sem obstáculo por
distâncias imensas. O alvoroço toma os seres e eu mesmo sou tomado
por um quê de frenesi, uma expectativa, uma esperança. É o momento
do milagre e com o canto dos pássaros e a luz nascente, brota em mim
o murmúrio de uma oração. A oração é o pensamento humano mais
perfeito, o mais belo de todos; é onde as palavras recuperam toda a
sua dignidade ascensional, é quando deixam de designar coisas, para
serem a expressão de uma aspiração, do finito ao infinito, do
particular ao universal, da criatura ao Criador.
Oro em voz alta,
não é uma prece, pois não peço nada; é apenas um acto espontâneo
de agradecimento e deslumbramento. As minhas palavras cruzam-se com o
vozear dos pássaros e, no horizonte, unem-se à luz cada vez mais
intensa."
Pedro Sinde in O Canto dos Seres: Saudade da Natureza