2 meses e 6 dias... de mãe feliz!
Parábola das Mães Felizes
(De um
poema árabe do século XII)
A
jovem mãe ia, enfim, iniciar a grande jornada pela estrada incerta
da vida. E perguntou, muito tímida, ao Anjo Bom do Destino: “É
longo o caminho a percorrer, Senhor? Serei feliz com os meus filhos
que tanto amo e por quem estremeço?”
Respondeu-lhe,
sereno e terno, o Anjo Bom do Destino: “O caminho que se abre
diante de ti é longo, muito semeado de angústias, recortado de
dores e tapetado de fadigas. Antes de alcançares a curva extrema,
virá a impiedosa velhice ao teu encontro. Ainda assim, asseguro-te
que os teus derradeiros passos serão mais cheios de alegria e
encantamento do que os primeiros.”
E a
jovem mãe partiu. Sentia-se extremamente ditosa em companhia dos
seus filhinhos. A existência decorria-lhe sob o véu de um delicioso
encantamento. Brincava com os pequeninos. Colhia para eles,
unicamente para eles, as mais lindas flores que adornavam os caminhos
do mundo. E o sol brilhava, inundando a terra com a bênção das
suas torrentes de luz. E o dia escoava-se tão sereno que a jovem mãe
murmurou, fitando, enternecida, o céu azul.
“Nada
haverá, Senhor, de mais belo! Jamais serei, na companhia de meus
filhos, mais feliz do que sou agora!”
A
noite veio, porém, alongando sobre a terra o seu manto pesado e
sombrio. Nuvens disformes amontoaram-se no firmamento. Desabou o
temporal. O vento norte uivava como um chacal faminto pelos arcais
sem fim. Os pequeninos, tolhidos de frio, trémulos de medo,
soluçavam. A jovem mãe destemida aconchegou-os a si, agasalhando-os
sob a sua túnica, e as crianças, bem abrigadas e protegidas,
docemente murmuraram: “Ó mãezinha querida! O medo já não mais
se abriga em nossos corações! A teu lado, mãezinha adorada, nenhum
mal nos alcançará!”
E a
jovem mãe exclamou num ímpeto de alegria: “Isto para mim, ó
Deus, é mais belo e grandioso do que a jornada pelo caminho
tranquilo, sob o esplendor do dia! Sinto-me, realmente, feliz! Mais
feliz do que ontem! Contra a tormenta protegi os meus filhos e
lancei, para sempre, nos seus pequeninos corações, a semente do
destemor e da coragem!”
Passou
a noite. Louvado seja Deus! A noite passou. Raiou, esplêndida e
balsâmica, a alvorada. A estrada, naquele terceiro dia, estendia-se
ladeirenta pelo dorso de uma montanha alcantilada e perigosa. Era
forçoso subir. Subir muito. Os pequeninos sentiam-se fatigados. A
jovem mãe quase desfalecia de sede e de cansaço. Fazendo uso da sua
força interior, mostrava-se animosa e, sem cessar, dizia aos filhos:
“Vamos! Para cima! Em breve chegaremos ao alto! Vamos! Subamos
sempre! Força! Subamos!”
E
essas palavras multiplicavam energias que o esforço constante e
excessivo queria aniquilar. E as crianças iam subindo, subindo...
Chegaram,
finalmente, ao cimo da montanha. A jovem mãe enlaçou-os, então,
nos seus braços carinhosos. E eles disseram: “Ó mãezinha
querida, sem ti não teríamos conseguido vencer estas escarpas,
contornar estes abismos e levar a bom termo esta jornada. Sem o teu
auxílio incomparável sucumbiríamos a meio da escalada. Sabemos,
agora, como superar os grandes tremedais da sorte!”
E a
delicada mãe, ao repousar naquele dia, semimorta, exclamou
arrebatada: “Ó Deus, clemente e justo! O dia de hoje foi para mim
melhor ainda do que o de ontem! Sinto-me mais feliz! Mais feliz do
que nunca! Ensinei os meus filhos a enfrentar, bravamente, os reveses
e as tristezas da vida!”
No
quarto dia, estranhas nuvens cor de chumbo cruzaram o céu. Um rugido
surdo, que parecia partir das profundezas ignoradas da terra, enchia
o ar, soturnamente. De súbito, a imensa montanha tremeu. Rochas
descomunais desprenderam-se e rolaram com estrondo para os abismos
apavorantes. Era o cataclismo que começava. Colunas de pó
erguiam-se, tão altas e densas, que chegavam a cobrir a face do sol.
E as trevas da noite desceram sobre a terra em pleno dia. A morte,
com as suas garras de fogo, rondava por toda parte. Não havia tenda,
caverna ou abrigo, onde um ser humano pudesse ter segura a sua curta
existência. As crianças, presas de cruciante pavor, choravam. E a
jovem mãe, serena e forte, tentava consular os seus corações:
“Confiai em Deus, meus filhos! Olhai para cima! Deus não nos
abandonará!”
E os
pequenos confiaram em Deus. E Deus livrou-os da fúria infrene. Ao
findar aquele dia, a mãe exclamou em êxtase, erguendo humilde para
os céus os seus olhos cheios de gratidão: “Este foi o melhor dia
da minha vida, Senhor! Ensinei os meus filhos a crer em Vós, a
confiar em Vós, só em Vós, ó Deus Misericordioso!”
Amontoaram-se
os dias. Sucederam-se os meses. Os anos passaram...
E a
mãe, toda entregue à felicidade e ao bem-estar dos filhos, não
sentiu o rolar intérmino do tempo. Os seus formosos cabelos
fizeram-se brancos como a neve. O brilho desapareceu dos seus olhos.
A sua face tracejou-se de rugas. Era, enfim, a velhice que chegava.
Mas que encanto para a sua vida de mãe! Os filhos crescidos, fortes,
cheios de alegria, pareciam redobrar em si a boa seiva que dela
partira. Ela, a mãe feliz, curvada ao peso da vida, já mal podia
caminhar. Os filhos, contudo, ali estavam, a seu lado, para servi-la,
honrá-la e obedecer-lhe!
O mais
velho dizia-lhe, carinhoso e com transbordante afecto: “Mãezinha!
Quero hoje carregar-te em meus braços! Estás tão fraca e
cansada!...”
Protestava
o mais moço com entusiasmo: “Que egoísmo é esse, meu caro! Hoje
é o meu dia! Eu, sim, é que irei carregar a mãezinha querida!”
E a
mãe feliz sorria a um, abraçava a outro, beijava a ambos. Que bons
e delicados eram os filhos para ela. Sim, para o coração materno,
fizera pausa o tempo. Eles eram, ainda, os seus filhinhos, os ternos,
estremecidos... E ela sentia-se tão feliz, tão feliz, que não
achava palavras com que agradecer a Deus!
Um
dia, afinal, a mãe ditosa reuniu os filhos e disse-lhes, num
fiozinho de voz: “A minha tarefa está finda, meus filhos. Vou
deixá-los. Irei para longe, para muito longe daqui...” O mais
velho dizia-lhe, carinhosamente: “Pois iremos contigo, mãezinha!
Ninguém nos poderá separar de ti!” Ela, não sustendo as lágrimas
e deixando-as deslizar, insistiu com meiguice: “Não, querido.
Desta vez terei de ir só. Partirei sozinha.”
E
eles, afeitos à obediência, mais uma vez obedeceram. E a boa
velhinha partiu. Foi indo, vagarosamente, toda acurvada, trémula...
Diante
dela, no extremo do caminho, abriram-se dois largos portões que
refulgiam cheios de luz. Entrou. Uma voz, que mais parecia um cântico
de glória, disse-lhe com infinita mansuetude: “Vinde a mim, ó mãe
feliz! Vinde a mim!”
Os
filhos, que a vigiavam de longe, viram-na, de repente, desaparecer:
“Ela partiu para sempre! Não a veremos nunca mais! Nunca mais!”,
exclamaram emocionados. “Mas a santa lembrança dessa mãe querida
viverá para sempre em nossos corações! Eduquemos os nossos filhos
como ela nos educou: na bondade, na obediência, no amor…”
E no
silêncio da tarde que caía, lentamente, ouvia-se o sussurro de um
chorar longínquo. Calaram-se todos. Quem seria? Era o filho mais
novo. Com o rosto entre as mãos, inconsolável, soluçava de
joelhos, à margem da vida, com a dor da saudade a negrejar-lhe o
coração: “Minha mãezinha! Minha mãezinha querida!...”
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