05 junho 2013

Parábola das Mães Felizes

     



   2 meses e 6 dias... de mãe feliz!





Parábola das Mães Felizes
(De um poema árabe do século XII)

A jovem mãe ia, enfim, iniciar a grande jornada pela estrada incerta da vida. E perguntou, muito tímida, ao Anjo Bom do Destino: “É longo o caminho a percorrer, Senhor? Serei feliz com os meus filhos que tanto amo e por quem estremeço?”
Respondeu-lhe, sereno e terno, o Anjo Bom do Destino: “O caminho que se abre diante de ti é longo, muito semeado de angústias, recortado de dores e tapetado de fadigas. Antes de alcançares a curva extrema, virá a impiedosa velhice ao teu encontro. Ainda assim, asseguro-te que os teus derradeiros passos serão mais cheios de alegria e encantamento do que os primeiros.”
E a jovem mãe partiu. Sentia-se extremamente ditosa em companhia dos seus filhinhos. A existência decorria-lhe sob o véu de um delicioso encantamento. Brincava com os pequeninos. Colhia para eles, unicamente para eles, as mais lindas flores que adornavam os caminhos do mundo. E o sol brilhava, inundando a terra com a bênção das suas torrentes de luz. E o dia escoava-se tão sereno que a jovem mãe murmurou, fitando, enternecida, o céu azul.
“Nada haverá, Senhor, de mais belo! Jamais serei, na companhia de meus filhos, mais feliz do que sou agora!”
A noite veio, porém, alongando sobre a terra o seu manto pesado e sombrio. Nuvens disformes amontoaram-se no firmamento. Desabou o temporal. O vento norte uivava como um chacal faminto pelos arcais sem fim. Os pequeninos, tolhidos de frio, trémulos de medo, soluçavam. A jovem mãe destemida aconchegou-os a si, agasalhando-os sob a sua túnica, e as crianças, bem abrigadas e protegidas, docemente murmuraram: “Ó mãezinha querida! O medo já não mais se abriga em nossos corações! A teu lado, mãezinha adorada, nenhum mal nos alcançará!”
E a jovem mãe exclamou num ímpeto de alegria: “Isto para mim, ó Deus, é mais belo e grandioso do que a jornada pelo caminho tranquilo, sob o esplendor do dia! Sinto-me, realmente, feliz! Mais feliz do que ontem! Contra a tormenta protegi os meus filhos e lancei, para sempre, nos seus pequeninos corações, a semente do destemor e da coragem!”
Passou a noite. Louvado seja Deus! A noite passou. Raiou, esplêndida e balsâmica, a alvorada. A estrada, naquele terceiro dia, estendia-se ladeirenta pelo dorso de uma montanha alcantilada e perigosa. Era forçoso subir. Subir muito. Os pequeninos sentiam-se fatigados. A jovem mãe quase desfalecia de sede e de cansaço. Fazendo uso da sua força interior, mostrava-se animosa e, sem cessar, dizia aos filhos: “Vamos! Para cima! Em breve chegaremos ao alto! Vamos! Subamos sempre! Força! Subamos!”
E essas palavras multiplicavam energias que o esforço constante e excessivo queria aniquilar. E as crianças iam subindo, subindo...
Chegaram, finalmente, ao cimo da montanha. A jovem mãe enlaçou-os, então, nos seus braços carinhosos. E eles disseram: “Ó mãezinha querida, sem ti não teríamos conseguido vencer estas escarpas, contornar estes abismos e levar a bom termo esta jornada. Sem o teu auxílio incomparável sucumbiríamos a meio da escalada. Sabemos, agora, como superar os grandes tremedais da sorte!”
E a delicada mãe, ao repousar naquele dia, semimorta, exclamou arrebatada: “Ó Deus, clemente e justo! O dia de hoje foi para mim melhor ainda do que o de ontem! Sinto-me mais feliz! Mais feliz do que nunca! Ensinei os meus filhos a enfrentar, bravamente, os reveses e as tristezas da vida!”
No quarto dia, estranhas nuvens cor de chumbo cruzaram o céu. Um rugido surdo, que parecia partir das profundezas ignoradas da terra, enchia o ar, soturnamente. De súbito, a imensa montanha tremeu. Rochas descomunais desprenderam-se e rolaram com estrondo para os abismos apavorantes. Era o cataclismo que começava. Colunas de pó erguiam-se, tão altas e densas, que chegavam a cobrir a face do sol. E as trevas da noite desceram sobre a terra em pleno dia. A morte, com as suas garras de fogo, rondava por toda parte. Não havia tenda, caverna ou abrigo, onde um ser humano pudesse ter segura a sua curta existência. As crianças, presas de cruciante pavor, choravam. E a jovem mãe, serena e forte, tentava consular os seus corações: “Confiai em Deus, meus filhos! Olhai para cima! Deus não nos abandonará!”
E os pequenos confiaram em Deus. E Deus livrou-os da fúria infrene. Ao findar aquele dia, a mãe exclamou em êxtase, erguendo humilde para os céus os seus olhos cheios de gratidão: “Este foi o melhor dia da minha vida, Senhor! Ensinei os meus filhos a crer em Vós, a confiar em Vós, só em Vós, ó Deus Misericordioso!”
Amontoaram-se os dias. Sucederam-se os meses. Os anos passaram...
E a mãe, toda entregue à felicidade e ao bem-estar dos filhos, não sentiu o rolar intérmino do tempo. Os seus formosos cabelos fizeram-se brancos como a neve. O brilho desapareceu dos seus olhos. A sua face tracejou-se de rugas. Era, enfim, a velhice que chegava. Mas que encanto para a sua vida de mãe! Os filhos crescidos, fortes, cheios de alegria, pareciam redobrar em si a boa seiva que dela partira. Ela, a mãe feliz, curvada ao peso da vida, já mal podia caminhar. Os filhos, contudo, ali estavam, a seu lado, para servi-la, honrá-la e obedecer-lhe!
O mais velho dizia-lhe, carinhoso e com transbordante afecto: “Mãezinha! Quero hoje carregar-te em meus braços! Estás tão fraca e cansada!...”
Protestava o mais moço com entusiasmo: “Que egoísmo é esse, meu caro! Hoje é o meu dia! Eu, sim, é que irei carregar a mãezinha querida!”
E a mãe feliz sorria a um, abraçava a outro, beijava a ambos. Que bons e delicados eram os filhos para ela. Sim, para o coração materno, fizera pausa o tempo. Eles eram, ainda, os seus filhinhos, os ternos, estremecidos... E ela sentia-se tão feliz, tão feliz, que não achava palavras com que agradecer a Deus!
Um dia, afinal, a mãe ditosa reuniu os filhos e disse-lhes, num fiozinho de voz: “A minha tarefa está finda, meus filhos. Vou deixá-los. Irei para longe, para muito longe daqui...” O mais velho dizia-lhe, carinhosamente: “Pois iremos contigo, mãezinha! Ninguém nos poderá separar de ti!” Ela, não sustendo as lágrimas e deixando-as deslizar, insistiu com meiguice: “Não, querido. Desta vez terei de ir só. Partirei sozinha.”
E eles, afeitos à obediência, mais uma vez obedeceram. E a boa velhinha partiu. Foi indo, vagarosamente, toda acurvada, trémula...
Diante dela, no extremo do caminho, abriram-se dois largos portões que refulgiam cheios de luz. Entrou. Uma voz, que mais parecia um cântico de glória, disse-lhe com infinita mansuetude: “Vinde a mim, ó mãe feliz! Vinde a mim!”
Os filhos, que a vigiavam de longe, viram-na, de repente, desaparecer: “Ela partiu para sempre! Não a veremos nunca mais! Nunca mais!”, exclamaram emocionados. “Mas a santa lembrança dessa mãe querida viverá para sempre em nossos corações! Eduquemos os nossos filhos como ela nos educou: na bondade, na obediência, no amor…”
E no silêncio da tarde que caía, lentamente, ouvia-se o sussurro de um chorar longínquo. Calaram-se todos. Quem seria? Era o filho mais novo. Com o rosto entre as mãos, inconsolável, soluçava de joelhos, à margem da vida, com a dor da saudade a negrejar-lhe o coração: “Minha mãezinha! Minha mãezinha querida!...”



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