10 fevereiro 2013

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Tradição e simbolismo

O Carnaval dos nossos dias, urbano ou rural, remontará, na sua origem, às antigas festas da Natureza, de fundo agrário. As Saturnais romanas e as Lupercais celebradas em honra de Pan, o deus dos rebanhos. A expressão popular “é Carnaval, ninguém leva a mal” encontra o seu fundamenta nos rituais licenciosos próprios destas festividades, uma licenciosidade socialmente consentida que, a par de outros rituais de carácter expurgatório, constitui ainda hoje a sua principal característica.

Podemos afirmar que na origem do Carnaval radica uma série de elementos e ritos religiosos das antigas sociedades grega e romana. Por outro lado, já na época medieval, a Igreja assume estas celebrações conferindo-lhes um novo significado: a preparação para o longo período de jejum que são os quarenta dias da Quaresma. Daqui, o uso indistinto dos termos carnaval , do latim carne, vale , isto é, adeus, carne e entrudo, introitu , entrada. Que é como quem diz, adeus, carne que vamos dar entrada na Quaresma.

O carácter licencioso radicará nas antigas festas Lupercais, celebradas na antiga Roma em meados de Fevereiro e que se expandiram um pouco por todo o Império, em honra do deus Pan, protector dos pastores e dos rebanhos. Mais do que em qualquer outra festa, eram permitidos aos foliões todos os excessos no uso e abuso da comida e da bebida e na fuga às normas moralmente instituídas. As anomias eram praticadas e assumidas pelos próprios sacerdotes, constituindo verdadeiros rituais de simulação do acto sexual e de apelo à fecundidade. O momento do ciclo agrário era propício à celebração destes rituais: a aproximação da entrada da Primavera considerada como o momento do rejuvenescimento da Natureza.

Os rituais expurgatórios destinavam-se à purificação e expurgação dos males sociais, moléstias, maus presságios e augúrios nas pessoas e nas comunidades. São exemplos destes rituais a destruição pelo fogo de figuras alusivas ao passado (tudo o que é velho), o julgamento e queima do Entrudo, do Velho e de outras figuras míticas, em cerimónia pública, o castigo que os mascarados infligem às mulheres que se atrevem, nesse dia, a sair à rua, as frenéticas “chocalhadas” e correrias, a crítica social expressa na encenação dos “casamentos” burlescos e ridicularizantes dos jovens “casadoiros”… rituais expurgatórios deste momento de passagem que é o fim do Inverno e a entrada na Primavera que vigoram aqui e ali, um pouco por todo o lado.
Apesar da “cristianização” que todas estas práticas sofreram ao longo de cerca de dois mil anos, podemos entender ser ainda hoje esse mesmo o sentido, ainda que inconscientemente, a dar aos rituais carnavalescos. Desenrolados no Domingo Gordo, Carnaval e Quarta-feira de Cinzas.

A função das máscaras
O mascarado assume hoje funções meramente profanas, bem distintas das que estão na origem do seu aparecimento. Com excepção da máscara grega usada nas representações teatrais para conferir uma certa personalidade às diferentes personagens, bem como a do género dramático commedia dell'arte , a máscara na Antiguidade surge como adereço imprescindível ao exercício de actos mágicos e socialmente aceite como tal: rituais sagrados de ligação entre os vivos e os mortos, entre o homem e adivindade, rituais profilácticos e propiciatórios e rituais de iniciação.

É neste contexto que aparece a máscara de Carnaval. Qualquer momento de passagem é crítico para a comunidade que o vive. O Carnaval situa-se no momento de passagem do Inverno para a Primavera ou de um ano a outro (segundo a antigo calendário gregoriano, o ano começava em Março). Logo, o Carnaval corresponde a um momento crítico para as sociedades agrárias. A presença do mascarado justifica-se assim e a sua acção relaciona-se com a preparação para essa passagem, através do desempenho das suas funções sagradas que hoje se revestem de características meramente profanas. Por isso, o mascarado activo transforma-se num ser superior. Gozando de uma força e liberdade sem paralelo. Coloca-se acima de toda a norma e, como se de um ente sagrado se tratasse, mas possuído pelo diabo, se liberta de todos os entraves e dá largas às suas faculdades de destruir e castigar, de troçar e criticar, de dançar e gritar a seu bel-prazer.

Dr. A. Pinelo Tiza


Fotos lindas do Entrudo em Lazarim aquiaqui e aqui

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