26 dezembro 2012

Chocalheiro de Bemposta - o nascimento do Sol

Quando o Chocalheiro sai à rua no dia 26, tem a função de anunciar o nascimento do Sol Invictus (festa romana que se celebrava a 24 e 25 de Dezembro), ou em termos cristãos, o nascimento de Jesus, o novo Sol ou Luz do Mundo.  


Diz a lenda que o demónio tentou Nossa Senhora. Como castigo, foi penalizado a pedir esmola para Ela e seu filho, o Menino Jesus. 

Apesar da sua máscara terrível e medonha que faz ainda arrepiar muita gente, o chocalheiro é uma figura simpática e cheia de significado.
Vestido de linho grosseiro tingido de preto, o chocalheiro de Bemposta aparece como uma figura tauromórfica. Nas pontas dos chifres ostenta duas laranjas espetadas; cai-lhe do "queixo uma barbicha de bode; na parte da nuca pende-lhe uma bexiga de porco cheia de vento; na testa tem um disco e, escorrendo pela face, uma pequena serpente; na mão segura uma tenaz e mostrando uma serpente de grande porte rodeada à cintura, ".
“O touro representou para os antigos a força física e criadora e onde quer que este símbolo apareça, quer nas culturas Neolíticas, quer na iconografia ou nos ídolos de forma bovina, eles marcam a presença e são a expressão da Grande Mãe da Fertilidade”, como diz António Mourinho.

Mas há outro símbolo fundamental que não pode passar despercebido na interpretação iconográfica da máscara do Chocalheiro de Bemposta: é a serpente que tem rodeado à cintura e também na testa. A serpente é um animal simbólico da fertilidade. Mas, além de simbolizar a fertilidade, a serpente é um animal de simbolismo polivalente, mas todos os símbolos "convergem para uma única ideia central: a serpente distribuidora de fecundidade, ciência e, mesmo, imortalidade”. Representa um desejo, um anseio, uma aspiração ao saber para ter o poder. Lembremos o caso do Livro do Génesis em que a serpente apontava a Adão e Eva o caminho da deificação, se comessem o fruto da árvore proibida por Deus. Além disso, havia um mito arcaico que dizia que a serpente guardava a fonte sagrada da imortalidade.
No Chocalheiro, a serpente será mais um símbolo da Terra Mãe, que tudo produz para a vida do homem, desde a água até às plantas e animais. “A serpente simboliza o Caos, o amorfo. Porém, decapitá-la equivale a um acto de criação, passagem do virtual e do amorfo ao formal, ao Cosmos, à fertilidade”, diz Mircea Eliade.

Não há dúvida de que todos estes elementos são iconograficamente importantes e podem dar pistas muito interessantes para a interpretação etnográfica e mitológica da figura, e pode contribuir para se poder saber alguma coisa sobre a origem desta e de outras figuras e o seu significado. A máscara e a indumentária são conotadas com o diabo: máscara com cornos com duas laranjas aí espetadas, fato preto com uma série de listas brancas e vermelhas, uma caveira pintada nas costas, um rabo de crinas compridas, uma bexiga de porco pendente do capuz, uma figura de serpente a tiracolo e numa das mãos uma tenaz de ferro, provavelmente com o simbolismo de recolher os bens supérfluos dos vivos, para a entidade sagrada à qual está subjugado nesse dia (26 de Dezembro - Nossa Senhora das Neves ou 1 de Janeiro - O Menino Jesus).
Os frutos que o Chocalheiro ostenta no alto dos chifres, assim como os que recebe, não são mais do que o símbolo dos frutos que se desejavam e desejam para o novo ano que começa.

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Crenças relacionadas com a serpente e a fecundidade existem em toda a Euro­pa, ainda hoje, mesmo entre nós. Um pequeno exemplo é ouvir dizer com frequência que quando as cobras saem das tocas a chuva não falta o que pode estar relacionado com antigas crenças que relacionavam as serpentes com a fertilidade da Terra Mãe.
A nossa gente ainda hoje diz que a "chuva é o sangue da terra". Outro exemplo da relação mulher-serpente-fecundidade-fertilidade é o caso da India em que as senhoras que desejam filhos adoram as serpentes.                   .
No caso do Chocalheiro de Bemposta e de Bruçó a serpente será mais um símbolo da Terra Mãe que tudo produz para a vida do homem desde a água até às plantas e animais.
Os frutos que o Chocalheiro ostenta no alto dos chifres não são mais do que o símbolo dos frutos que se desejavam e desejam para o novo ano que começa. E o caso das Fogueiras do Galo: o homem do gentilismo desejava luz e calor? acendia fogueiras para atrair o Sol. Queria frutos da terra abundantes? ostentava os frutos da colheita; queria água abundante? entornava água no chão.
Nestas figuras aparecem outros elementos que, embora de menos valor, não nos devem passar despercebidos. Em Bemposta o Chocalheiro apresenta-se "armado" de uma tenaz de ferro. Em Vale de Porco o "Velho" aparece de espeto na Mão. Em Tó o "Farandulo" aparece com uma estaca de pau. Estes instrumentos serviam para tirar peças dos fumeiros nas casas onde aque­las figuras entravam.
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Fontes: