03 abril 2012

Yoga e a Saúde Feminina

Por:

Thais Coca




“Saúdo-vos, ó Deusa, vós que dissipais os grandes temores, eliminais as grandes dificuldades e tendes a essência da grande compaixão.” Devi-Upanishad (25)

Este sutra, encontrado no Devi-Upanishad, nos revela a idéia geral que se faz do feminino, energia acolhedora, restauradora, compreensiva e amorosa. A mulher alude à Devi (do sânscrito, resplandescente), o aspecto generoso de Deus. Canções e orações são oferecidas à Ela em todas as tradições religiosas, onde se espera que Ela, nossa mãe, nos conduza gentilmente pela mão, enquanto percorremos os caminhos mais obscuros do universo.
    Porém, por trás de tudo isso, sabemos que nós, mulheres que aqui vivemos, estamos muito atrás destas mães divinas à quem constantemente recorremos. É preciso despender de muita atitude e energia para mantermo-nos firmes em nossos papéis, o que, muitas vezes, acaba por nos levar a um confronto com a nossa própria identidade.

O primeiro passo que podemos dar para que tenhamos uma relação mais amigável com nós mesmas é o cuidado com a saúde. A saúde da mulher é tal qual um livro aberto, mas é preciso entender seus sinais para poder compreendê-lo. Esses sinais são especialmente revelados durante o ciclo menstrual, período em que o corpo e a mente revelam seu estado atual sem reservas.

O ayurveda, ramo medicinal do yoga, afirma que num intervalo de 25 a 35 dias o corpo feminino entra num processo de limpeza, recolhendo e expelindo as toxinas (ama) que se acumularam no organismo desde seu último ciclo menstrual. Este ama pode advir da má alimentação (junk food e refeições irregulares), emoções reprimidas, focos de tensão ou sono irregular. Se, durante o período que separa uma menstruação da outra a mulher mantiver bons hábitos, o que se resume em horários regulares de repouso, refeições bem definidas, prática de exercícios físicos e bom trabalho emocional, seu organismo não terá dificuldade em recolher as poucas toxinas que nele se acumularam e expeli-las. No entanto, se os hábitos tomarem rumos contrários, o ciclo menstrual irá refletir em dores, mudanças psicológicas bruscas, fluxo intenso (menorragia) ou fluxo contido (amenorréia).

Cerca de 90% das mulheres apresentam desconfortos pré-menstruais de ordem variável, algo que abrange mais de 150 sintomas. Estes desconfortos tomam parte por conta do ritmo de vida anti-natural que temos adotado hoje em dia, levando-nos do extremo stress à extrema inércia em poucos instantes. Respeitar o bioritmo físico e mental é a chave para a boa gestão e compreesão de si mesma, bem como a inserção de hábitos diários que se mostrem de acordo com as nossas possibilidades.

Esta re-adequação ao Eu pode começar pelas atitudes mais simples do dia-a-dia, se apenas tormarmos consciência dos nossos atos. Evitar situações insatisfatórias para nós mesmas advém de um longo estudo do nosso próprio comportamento perante elas, o que nos permite obter um mapa detalhado sobre o nosso comportamento e a forma de conduzi-lo, a fim de evitar situações que não condizam com nossa capacidade de gestão.

Da mesma forma, é preciso que tenhamos consciência de como e do que nos alimentamos. Certamente você já ouviu dizer que “somos o que comemos”, verdade irrefutável do Ayurveda. O alimento, em sua forma mais pura, não é tão somente fonte de energia e nutrientes para as células como também fonte de prana, substrato energético que confere ao corpo aspectos de vitalidade e regula as funções orgânicas. O corpo sutil, camada onde circula o prana, é quem determina o aspecto do corpo físico, donde podemos concluir que a quantidade de prana presente no organismo é diretamente proporcional à saúde presente no plano físico.

Alimentos ricos em prana são aqueles frescos e limpos, que nos conferem bem-estar e não nos dificultam a digestão. Nesse intuito devemos minimizar ou eliminar a ingestão de alimentos que seguem preceitos contrários, sabendo que eles serão um entrave para a boa assimiliação e eventual expulsão de ama do organismo. Da mesma forma, deve-se evitar a ingestão de alimentos fora do horário das refeições, comer sem ter fome ou fazer refeições em locais agitados. Alimentar-se é prover ao corpo combustível para que ele continue funcionando, onde respeitar o seu ritmo natural torna-se imprescindível. Durante o período pré-menstrual o cuidado com a alimentação deve ser redobrado, pois a ingestão de alimentos que produzem ama irá influenciar diretamente no processo de recolhimento dos mesmos. Evitar o consumo de chocolates e doces concentrados é importantíssimo, principalmente se este for um desejo provocado pelo período.

As atividades que empreendemos no dia-a-dia, sejam elas de ordem física ou mental, também devem ser observadas com atenção durante o período de atividade menstrual. Devido à quantidade extra de energia que o corpo despende nesta ocasião, deve-se considerar a possibilidade de diminuição do ritmo de trabalho durante o primeiro dia de fluxo, evitando a dispersão de energia desnecessária e garantindo assim um ciclo mais harmônico. O movimento menstrual é comparado à lua nova, período de introversão e recolhimento, onde o lado energético e expansivo se oculta.

A prática de asanas também deve sofrer adaptações, que serão listadas aqui. Por conta do mesmo princípio citado anteriormente, deve-se evitar praticar asanas no primeiro dia da atividade menstrual. Se a disposição ainda assim permanecer debilitada, deve-se iniciar a prática a partir do terceiro dia, ou não praticar durante este período. No entanto, existem asanas extremamente benéficos para os distúrbios causados pelo ciclo menstrual, assim como práticas meditativas que irão atuar diretamente nas glândulas responsáveis por este movimento.
É importante que a prática não provoque fadiga ou comprima os órgãos abdominais e reprodutores. Da mesma forma, deve-se concentrar em criar espaço entre a caixa toráxica e o abdômen, otimizando assim o fluxo da corrente sanguínea e permitindo que o ama seja recolhido mais facilmente. Não se deve procurar aprofundar ou aperfeiçoar a prática de asanas, mas sim buscar o máximo relaxamento em cada postura.
Nenhuma postura invertida deve ser praticada durante a menstruação, pois, segundo o Ayurveda, estas posturas restringem e confundem o movimento natural de expulsão do apana vayu, ar vital responsável pela eliminação de resíduos do corpo. Invertidas praticadas fora deste período atuarão diretamente nas glândulas responsáveis pela atividade menstrual, sendo necessárias para a boa manutenção endócrina.
Torções devem ser evitadas ou não acentuadas, por conta do princípio de não-compressão dos órgãos abdominais citado acima. No entanto, estas mesmas torções são extremamente favoráveis no período pré e pós-menstrual, pois atua de forma a regularizar o fluxo menstrual posterior.
Posturas feitas em pé devem ser suavizadas ou evitadas, com exceção à prática de ardha chandrasana, que atua na abertura da região pélvica e otimiza a circulação e expulsão sanguínea. Da mesma forma, posturas que trabalham com a abertura das virilhas e região pélvica são especialmente benéficas, se praticadas sem tensão. Entre elas estão baddha e upavishta konasana, supta baddha konasana, prasarita padotanasana e supta padangustasana.
Flexões e posturas que projetam o peito são especialmente úteis no controle das oscilações temperamentais experimentadas durante o período pré-menstrual, pois atuam de forma relaxante no sistema nervoso, diminuindo de forma significante a fadiga e as perturbações mentais que vierem a surgir.
A prática regular de asanas é extremamente importante para a regularização e boa gestão do ciclo menstrual. Ela atua diretamente no sistema endócrino, conferindo boa produção hormonal; no sistema nervoso, atenuando as nuances emocionais e psicológicas e na circulação sanguínea, facilitando o recolhimento e expulsão de toxinas.

Um ciclo menstrual regular é o reflexo de uma boa saúde, e constitui a chave para a compreensão do nosso corpo, e do que há além dele.



SPARROWE, Patricia. Yoga para a Saúde do Ciclo Menstrual.São Paulo: Pensamento, 2006.
LAD, Dr. Vasant. Ayurveda – A Ciência da Autocura. São Paulo: Ground, 1997.


Fonte: